O Fado não é só Mariza, Amália Rodrigues ou Carlos do Carmo. É muito mais do que isso. Fado vive também na voz de outras pessoas, que são menos conhecidas para o público. De certa forma são elas que mantêm a tradição e as origens do Fado.
Alfama tornou-se o espaço de eleição para cantar o Fado. “Alfama é o coração do Fado”, disse Tininha, uma das vozes mais acarinhadas no bairro. Nascido na Mouraria, é em Alfama que o Fado se faz ouvir. O que era tradição deixou de o ser e a Mouraria passou de berço ao esquecimento de uma tradição que hoje é património da humanidade.
Fomos para Alfama, bairro lisboeta, muito conhecido pelo sangue fadista que lá corre, à procura de histórias que fossem diferentes e cativantes. Foi assim que encontrámos a Tininha, conhecida como a “menina de Alfama”, que mostra ter a alma de fadista bem vincada nos trejeitos.
Maria Argentina, a menina dos fados que nasceu há 48 anos em Alfama, cresceu neste bairro, que é a sua paixão. Alma de fadista e coração de Alfama fazem desta senhora alguém tão especial nas ruas do bairro que não deixa ninguém indiferente. Desde pequenina que foi habituada pela mãe a estar dentro do mundo do fado na Parreirinha d’Alfama onde esta trabalhava. Maria Argentina tem nas veias o sangue de fadista. Aos 15 anos começou a trabalhar mas desde de tenra idade que queria ser como os grandes fadistas que sempre ouviu e admirou. Foi aos 21 anos que começou a cantar por brincadeira e por iniciativa do seu pai na Coletividade Adicense.
Atualmente é dona do restaurante Porta d’Alfama, onde organiza noites dedicadas ao fado. Para ela, este representa muitas emoções, por isso tornar-se sempre muito marcante e distinto: “no fado conta-se a história de cada pessoa, seja alegre ou seja triste”. Fazer com que os seus clientes comecem a gostar de fado na sua casa é para ela a maior alegria. Também os estrangeiros, percebendo ou não a letra da música, entendem os significados que o fado transmite. Canta consoante o seu estado de espírito e os seus fados adquirem para si aquilo que sente no momento.
Tornar Alfama num bairro digno do valor que ele sempre teve, com o mercado a funcionar, o elétrico a passar pelo Museu do fado, a remodelação de Alfama e o aumento do policiamento é o maior desejo de Tininha, que se entristece por ver o bairro como está agora. Alfama passou de um bairro a cheirar as tradições alfacinhas para se transformar num bairro solitário, totalmente descaracterizado. Se um dia se cantava a cada janela Alfredo Marceneiro, hoje já se sabe quem era esta ilustre figura do fado português. Os emigrantes preencham hoje a paisagem bairrista e o elétrico, que levava muitos visitantes ao bairro, já não passa lá. A solidão instalou-se e o fado calou-se.
Debaixo do frio chão
Onde o sol não tem entrada
Abra-se uma sepultura
Finde o Fado a desgraça
(“Fado Choradinho”)
Onde o sol não tem entrada
Abra-se uma sepultura
Finde o Fado a desgraça
(“Fado Choradinho”)
Nesta perda de tradições e do bairrismo que tanto caracterizou Alfama, Tininha não desiste de lutar pela recuperação das tradições do bairro e pela revitalização do bairrismo que outrora foi a cara de Alfama. É no restaurante que mantem vivas as tradições do bairro, mesmo que isso lhe dê direito a multas. “Não tiro daqui o meu fogareiro. Não matem a nossa Alfama”. O fogareiro é uma tradição na época das Marchas Populares. Os restaurantes trazem para a rua os fogareiros e assam as bifanas e as sardinhas para pôr no pão e se viver assim as festas populares. Há uns anos saiu uma lei que proibiu que se fizesse isto dentro dos bairros, mas Tininha continua a trazer o fogareiro para a rua e a manter a tradição. Isso tem-lhe dado muitas multas, que ela reivindica junto da Câmara, mas que ainda não surtiu o efeito que a bairrista quer.
Mesmo olhando hoje para Alfama e já não vendo a “sua” Alfama de gema, Tininha quer morrer no bairro que a viu nascer, crescer, casar e ser mãe.
Também em Alfama, há 72 anos nasceu Daniel Gouveia, que só descobriu a paixão por este género musical quando se encontrava a cumprir serviço militar, em Angola, durante a guerra do Ultramar. Musicalmente versado além de fadista é letrista e compositor, sendo também detentor de um vastíssimo corpo de material teórico acerca do Fado, fruto de diversas investigações no âmbito.
Neto de uma professora de piano e de canto, Daniel Gouveia cresceu no seio de uma família onde a música sempre desempenhou um papel fundamental. Aos 12 anos, a entrada de um piano em casa, por ocasião do falecimento do seu avô, despertou-lhe o interesse musical sendo que começou simplesmente por “por as mãos em cima do piano para ver o que é que saía de lá”. Apesar da tenra idade, já tinha aquilo a que se chama “ouvido musical” e “com um dedo conseguia tocar a melodia que quisesse e depois com dois dedos e depois com três ia à procura dos acordes”.
Aos 19 anos fazia parte de um dos grupos mais evidentes em Portugal durante a década de 60, o “Quinteto académico”, banda esta que primava por uma sonoridade que incluía elementos do jazz e rock. No entanto, em 1967, o serviço militar obrigatório e, mais tarde, a consequente convocação para combater na Guerra do Ultramar fizeram com que Daniel Gouveia tivesse que deixar de parte estas aspirações musicais.
Mas mesmo assim, a música nunca o deixaria de acompanhar. Foi quase a jeito de brincadeira, para “amenizar aqueles tempos” particularmente complicados durante a Guerra do Ultramar, que Daniel Gouveia começou a cantar Fado nas casernas da Escola
Prática de Infantaria. Segundo o fadista, “cada um fazia o que sabia – imitações, ilusionismo, contava as histórias da terra” e ele, apesar dos seus contactos superficiais acerca do Fado, tinha habilidade para imitar alguns fadistas populares, como Alfredo Marceneiro ou Fernando Farinha, caricaturando-os, para o agrado da caserna.
Seguiu-se a mobilização para Angola, na qual, tendo o posto de Alferes Meliciante, esteve integrado numa companhia de caçadores, passando dois anos em isolamento, sem civilização à volta.
Um dia em que se encontrava na caserna do seu pelotão, Daniel Gouveia ouviu a voz de Teresa Tarouca que se fazia ecoar no espaço, vinda de um pequeno gira-disco. “Aquilo bateu-me assim no fundo da alma com uma força muito grande, porque (reforçado pela distância e pela saudade) aquilo era a música das minhas raízes”. Foi a partir desse momento que passou a encarar o Fado como um “assunto sério, um assunto cultural, um assunto que era fator de cultura – da minha cultura urbana, da minha cidade”.
Foi na década de 90 que voltou a subir ao palco para cantar Fado, situação que aconteceu um pouco também por acaso, pois, após ter descoberto a Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado assim como a Associação Portuguesa dos Amigos do Fado e de se ter integrado nelas, quase que “sem se aperceber” já estava em palco a cantar.
Mas Daniel Gouveia não é apenas um “cantador de histórias”, é também compositor e letrista, sendo que uma das maiores alegrias que esta atividade lhe tem trazido é a de ver fadistas a adotarem as suas letras e músicas. Enquanto compositor, conta com várias participações com letristas como Carlos Baleia e fadistas como Cátia Montemor, Teresa Tapadas ou José da Câmara. Daniel Gouveia, que sempre compôs música “de ouvido” não recorrendo, portanto, a pautas, afirma que viu a sua atividade muito mais facilitada devido à tecnologia: “graças a estas facilidades do computador, faço arranjos para coro polifónico a 4 vozes daquilo que eu quiser”, diz jocosamente.
Considerado, possivelmente, como um dos maiores cultores deste género musical, participando em diversas palestras, conversas e conferências, dispõe de um vasto trabalho de investigação acerca do Fado, fruto das suas pesquisas, trabalho este que está presente num dos seus mais recentes livros, “Ao Fado tudo se canta”.
Curiosamente, este livro surgiu aquando da participação de Daniel Gouveia na equipa de candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade. Quando a equipa verificou a falta de material teórico acerca do Fado surgiu a premissa para a criação do livro. Nele põe em evidência temas como “o que é um fadista e a sua respetiva carreira, o que é um reportório, quais os elementos que o compõem, assim como as teorias deste género musical”. Contudo, este último elemento revelou-se mais complicado para Daniel Gouveia, dizendo acerca desse aspeto que só conseguiu indicar que era “uma matéria muito vaga” e de difícil comprovação documental.
Defensor do aspeto mais tradicional do Fado, o fadista salienta que se “está a correr o perigo de descolar ou ignorar as raízes – já não se ouvem os antigos, não se percebe como o Fado chegou até onde está”.
Acerca do moderno fenómeno da fusão do fado com outros estilos musicais, o fadista afirma que, de facto, é positivo haver “intercâmbio musical”, contudo chama-lo Fado não é a opção mais correta: “Isto é uma fusão de Fado com outra coisa, que até pode resultar muito agradável ao ouvido, só que não é Fado”.
O fadista aponta ainda uma situação, a seu ver, menos feliz no seio do Fado: o facto de muitas pessoas se tornarem fadistas apesar de não possuírem as características indicadas para tal. “Em muitos dos casos “o Fado não está lá”.
No entanto, existem para Daniel Gouveia aspetos positivos no novo panorama do Fado que convém salientar, como a consagração deste género como património imaterial da humanidade fez com que desse uma mudança criando-se, segundo o fadista, “um maior respeito em relação ao Fado, até pelos próprios portugueses” indicando igualmente o aparecimento de alguns jovens fadistas de grande qualidade.
Mesmo olhando hoje para Alfama e já não vendo a “sua” Alfama de gema, Tininha quer morrer no bairro que a viu nascer, crescer, casar e ser mãe.
Também em Alfama, há 72 anos nasceu Daniel Gouveia, que só descobriu a paixão por este género musical quando se encontrava a cumprir serviço militar, em Angola, durante a guerra do Ultramar. Musicalmente versado além de fadista é letrista e compositor, sendo também detentor de um vastíssimo corpo de material teórico acerca do Fado, fruto de diversas investigações no âmbito.
Neto de uma professora de piano e de canto, Daniel Gouveia cresceu no seio de uma família onde a música sempre desempenhou um papel fundamental. Aos 12 anos, a entrada de um piano em casa, por ocasião do falecimento do seu avô, despertou-lhe o interesse musical sendo que começou simplesmente por “por as mãos em cima do piano para ver o que é que saía de lá”. Apesar da tenra idade, já tinha aquilo a que se chama “ouvido musical” e “com um dedo conseguia tocar a melodia que quisesse e depois com dois dedos e depois com três ia à procura dos acordes”.
Aos 19 anos fazia parte de um dos grupos mais evidentes em Portugal durante a década de 60, o “Quinteto académico”, banda esta que primava por uma sonoridade que incluía elementos do jazz e rock. No entanto, em 1967, o serviço militar obrigatório e, mais tarde, a consequente convocação para combater na Guerra do Ultramar fizeram com que Daniel Gouveia tivesse que deixar de parte estas aspirações musicais.
Mas mesmo assim, a música nunca o deixaria de acompanhar. Foi quase a jeito de brincadeira, para “amenizar aqueles tempos” particularmente complicados durante a Guerra do Ultramar, que Daniel Gouveia começou a cantar Fado nas casernas da Escola
Prática de Infantaria. Segundo o fadista, “cada um fazia o que sabia – imitações, ilusionismo, contava as histórias da terra” e ele, apesar dos seus contactos superficiais acerca do Fado, tinha habilidade para imitar alguns fadistas populares, como Alfredo Marceneiro ou Fernando Farinha, caricaturando-os, para o agrado da caserna.
Seguiu-se a mobilização para Angola, na qual, tendo o posto de Alferes Meliciante, esteve integrado numa companhia de caçadores, passando dois anos em isolamento, sem civilização à volta.
Um dia em que se encontrava na caserna do seu pelotão, Daniel Gouveia ouviu a voz de Teresa Tarouca que se fazia ecoar no espaço, vinda de um pequeno gira-disco. “Aquilo bateu-me assim no fundo da alma com uma força muito grande, porque (reforçado pela distância e pela saudade) aquilo era a música das minhas raízes”. Foi a partir desse momento que passou a encarar o Fado como um “assunto sério, um assunto cultural, um assunto que era fator de cultura – da minha cultura urbana, da minha cidade”.
Foi na década de 90 que voltou a subir ao palco para cantar Fado, situação que aconteceu um pouco também por acaso, pois, após ter descoberto a Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado assim como a Associação Portuguesa dos Amigos do Fado e de se ter integrado nelas, quase que “sem se aperceber” já estava em palco a cantar.
Mas Daniel Gouveia não é apenas um “cantador de histórias”, é também compositor e letrista, sendo que uma das maiores alegrias que esta atividade lhe tem trazido é a de ver fadistas a adotarem as suas letras e músicas. Enquanto compositor, conta com várias participações com letristas como Carlos Baleia e fadistas como Cátia Montemor, Teresa Tapadas ou José da Câmara. Daniel Gouveia, que sempre compôs música “de ouvido” não recorrendo, portanto, a pautas, afirma que viu a sua atividade muito mais facilitada devido à tecnologia: “graças a estas facilidades do computador, faço arranjos para coro polifónico a 4 vozes daquilo que eu quiser”, diz jocosamente.
Considerado, possivelmente, como um dos maiores cultores deste género musical, participando em diversas palestras, conversas e conferências, dispõe de um vasto trabalho de investigação acerca do Fado, fruto das suas pesquisas, trabalho este que está presente num dos seus mais recentes livros, “Ao Fado tudo se canta”.
Curiosamente, este livro surgiu aquando da participação de Daniel Gouveia na equipa de candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade. Quando a equipa verificou a falta de material teórico acerca do Fado surgiu a premissa para a criação do livro. Nele põe em evidência temas como “o que é um fadista e a sua respetiva carreira, o que é um reportório, quais os elementos que o compõem, assim como as teorias deste género musical”. Contudo, este último elemento revelou-se mais complicado para Daniel Gouveia, dizendo acerca desse aspeto que só conseguiu indicar que era “uma matéria muito vaga” e de difícil comprovação documental.
Defensor do aspeto mais tradicional do Fado, o fadista salienta que se “está a correr o perigo de descolar ou ignorar as raízes – já não se ouvem os antigos, não se percebe como o Fado chegou até onde está”.
Acerca do moderno fenómeno da fusão do fado com outros estilos musicais, o fadista afirma que, de facto, é positivo haver “intercâmbio musical”, contudo chama-lo Fado não é a opção mais correta: “Isto é uma fusão de Fado com outra coisa, que até pode resultar muito agradável ao ouvido, só que não é Fado”.
O fadista aponta ainda uma situação, a seu ver, menos feliz no seio do Fado: o facto de muitas pessoas se tornarem fadistas apesar de não possuírem as características indicadas para tal. “Em muitos dos casos “o Fado não está lá”.
No entanto, existem para Daniel Gouveia aspetos positivos no novo panorama do Fado que convém salientar, como a consagração deste género como património imaterial da humanidade fez com que desse uma mudança criando-se, segundo o fadista, “um maior respeito em relação ao Fado, até pelos próprios portugueses” indicando igualmente o aparecimento de alguns jovens fadistas de grande qualidade.
Se eu pudesse contar
Num poema o meu passado
Com a Guitarra a trinar
Minha vida dava um Fado
( Fado “A Guitarra, o Fado e Eu)
Num poema o meu passado
Com a Guitarra a trinar
Minha vida dava um Fado
( Fado “A Guitarra, o Fado e Eu)
São estes jovens que continuam o legado deixado pelos nomes que marcaram a história do fado. Rita Santos, com 22 anos, é uma dessas jovens. Descobriu o fado aos 18 anos, numa brincadeira de amigos. Começou com concursos e vários espetáculos que os amigos lhe iam arranjando e chegou mesmo a ganhar um concurso de Fado em Alenquer. A vida neste meio continua a sorrir-lhe e Rita não vai desistir. Afinal esta é uma das suas grandes paixões.
No castelo, ponho um cotovelo
Em Alfama, descanso o olhar
E assim desfaz-se o novelo
De azul e mar
( Fado ““Lisboa, Menina e Moça”)
Em Alfama, descanso o olhar
E assim desfaz-se o novelo
De azul e mar
( Fado ““Lisboa, Menina e Moça”)